terça-feira, 9 de junho de 2009

Divagações apressadas sobre o processo da escrita

Curioso o adjetivo desta postagem: divagações apressadas. Quem escreve apressado (ou melhor, escrevia) é Chico Xavier, durante seus trabalhos como psicógrafo lá em Uberaba; mas ainda assim não é ele propriamente que escreve, e sim uma outra entidade. Afora mediunismos, não vejo como produzir um bom material apressadamente. Quer dizer, um bom texto, um ótimo texto só adquire tal qualidade após um estágio mais ou menos demorado de amadurecimento. Isso talvez leve apenas algumas semanas; porém, até o "apenas" é digno de suspeição. "Suspeição", por sua vez, talvez não seja apropriada, porque mesmo em algumas semanas é perfeitamente possível esquentar os neurônios ao máximo e fazer correr, com a tinta (1), material deveras explosivo - bons exemplos da filosofia são A Genealogia da Moral e Assim falava Zaratustra, de Nietzsche.

No entanto, até chegar a esse nível de atividade mental é necessário esforço. Tanto maior ele quanto maior a preguiça de se esforçar. Eu, por exemplo, passo meses ruminando as comunicações que apresento nos congressos, ou simplesmente os trabalhos que preciso entregar na academia. Esboço qualquer coisa, tomo livros pra ler, vou ao Google atrás de material, devoro com os olhos (é possível devorar com outra coisa? Instantaneamente, acabo de realizar que sim; mas não permitamos que esta breve e inútil observação nos interrompa), concateno tudo com um pouco de paciência e sorte; e só no último momento, quando preciso entregar o artigo ou simplesmente ter o texto pronto, a fim de dispor dele livremente na hora da apresentação - só nesse instante que sento a bunda e desço a mão no teclado. O trabalho, no entanto, passa a redobrar, pois é um olho na ortografia (2) e outro na argumentação. Isto feito, corrijo mais um pouco, e só então o treco fica pronto. Devo observar que o só acontece desse jeito se o computador que eu estiver usando não possuir conexão com Internet, senão o viciado aqui começa a fuçar o Orkut alheio ou matar o vício do xadrez, que foi o caso ainda há pouco. Pelo menos em geral fico satisfeito com o resultado, a não ser que esteja com uma tremenda preguiça no momento do processo, o que me causa desapontamentos futuros. Mas Caesari quod Caesaris, não é verdade?

A respeito da escrita em geral, achei uma definição fabulosa no livro Conversas com Woody Allen, de Eric Lax. Em uma das partes ("Escrever"), o cineasta nova-iorquino apresenta a definição de um colaborador seu, Marshall Brickman: "pensar é que é escrever; escrever é pôr no papel" (pp. 167-168). Um outro fato correlato, porém, é que nós pobres mortais ainda ficamos perplexos com as dimensões dessa atividade; nem mesmo estar próximos de um indivíduo como Woody Allen, nem mesmo sua atual esposa, Soon-Yi Previn. Eu, particularmente, fico besta com o impressionante volume de poemas que um colega meu da iniciação científica, André, produziu até fevereiro deste ano, quando vim pro Rio. Matéria pra dois bons livros, com farta expressão de uma escrita que eu poderia adequadamente chamar de "turbilhão onírico"; alguns dos poemas estão disponíveis no blog dele, Pequenos Finais, relacionado num dos painéis à esquerda.

Eu, por minha vez, não ando tão inspirado. Sou uma negação em poesia, arrisco uma prosa de vez em quando, a tônica principal de minhas postagens é conseqüência das leituras de filosofia: argumentação a torto e a direito. Um bocado de devaneio também. Um pouco de preguiça, bastante agonia com as provas de fim de semestre; mas nada que me impeça de digitar qualquer merda, só pra ver se alguém lê e me desmente ou confirma...

(1) Ou com merda, conforme Sade.

(2) Tem um negócio chamado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas que ainda não procurei saber direito como funciona. Alguém pode me dizer quando o governo brasileiro vai cair em si e retroceder? Pois Portugal tá cagando e andando pra ele...

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Baú de traças