terça-feira, 18 de agosto de 2009

Chuva de balas em Mãe Luiza

De manhã, o telefone toca. Acordo, mas permaneço na cama esperando que alguém atendesse. Era pra mim.

- Lázaro, me acompanha até o DOL? É porque ouvi falar que anda tendo assaltos por lá...

Cansado e puto por ter aceito o favor, desci até lá. Achei que era pra fazer (mal) as vezes de guarda-costas - logo eu, que não me engalfinho com ninguém faz cinco anos. Mas dei o desconto: se lá em Mãe Luiza as coisas mudaram durante os cinco meses que passei no Rio, é capaz que haja ocorrido o mesmo pelos arredores do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN, próximo ao bairro. De fato, a chapa em Mãe Luiza esquentou legal; enquanto eu assistia a TV ontem à noite , rolou um tiroteio. Eram onze horas ou meia-noite, não lembro; meu irmão abria a janela para curiar, e logo soube que um jovem que morava perto havia sido assassinado.

E não é que, de manhã, voltando em casa pra pegar a mochila e me picar pra universidade, encontro o carro de uma emissora local em frente à moradia do falecido? Gelei na mesma hora. Mais à frente, na esquina, vejo uma aglomeração de curiosos e um homem explicando ao repórter o que houve na noite anterior, apontando os buracos de tiros em sua casa. Lembrei de Jeremias e Mickey Knox, e do jornalismo policial dos últimos anos (como se sensacionalismo fosse algo recente!): dá sangue, mas também muito dinheiro pros empresários e um prazer voyeurístico indescritível pra quem gosta.

Chegando à UFRN, vou a um evento organizado pelo Departamento de Artes. O assunto da conferência? Literatura de cordel e cinema, com foco na representação da figura do cangaceiro. Ela se apoiou no imaginário dominante naquela época - fins do século XIX até a década de 60 do século passado, se não me engano -, sem se referir ao desenrolar histórico dos fatos. E o que vemos? Um Lampião meio sanguinário, meio brabo, meio carinhoso - numa palavra, estilizado. Claro que, durante o trabalho, o conferencista confrontou esses produtos cinematográficos e literários com depoimentos de pessoas que viveram próximas ao rei do sertão; porém, o que ainda prepondera no inventário popular, mesmo entre os nordestinos, é a imagem de um homem que faz oscilar entre a admiração e o temor.

No fim, tenho que concordar com um filósofo e sociólogo bastante cínico e apocalíptico, Baudrillard: a Guerra do Golfo não aconteceu. Mas quem se importa? O assalto a minha amiga lá no DOL não aconteceu; mas, diante dos assaltos já povoando a psique dos estudantes de biologia, quem se importa? O jovem lá no bairro também foi assassinado; mas será que os espectadores vão se importar em apurar os fatos e cobrar humanidade dos jornalistas que, freqüentemente, importunam famílias inteiras? Lampião deixou seu nome na história contra (?) os desmandos do coronelismo no Nordeste brasileiro, mas quem vai pesquisar sobre o cara, pra deixar de nostalgia amiúde exagerada?

É dose. Tenho que ir correndo contar à mãe de minha amiga que, apesar dos pesares, Natal ainda é uma das cidades mais tranqüilas do Nordeste (ou, pelo menos, uma das mais perigosas). Tenho que dizer pra ela o seguinte: se o bairro fosse assim tão perigoso, não haveria três motéis no começo da rua João XXIII, lá perto da praia e (dois deles) ao lado de uma escola primária. Além disso, preciso contar pra ela que tem muito urubu crescendo o olho pra cima de lá, doido pra tornar o local mais um bairro de elite, uma vez que é próximo da praia, do Centro, mercados, lojas e o escambal a sete. Preciso dizer ainda que, se ela quer realmente saber o que é uma cidade perigosa, que vá ao Rio de Janeiro (onde passei cinco meses estudando) e a Recife, mas que tenha consciência da espetacularização hedionda nos noticiários fedendo a molho pardo. Em tempo: o título é uma brincadeira de mau gosto com um espetáculo que acontece todos os anos em Mossoró, para relembrar a passagem de Lampião e seu bando pela cidade. Ontem à noite rolou um bangue-bangue lá pertinho de casa. Mas quem se importa?

2 comentários:

Anônimo disse...

Ninguem se importa mesmo.

Oh Lazaro! Vc fala do assassinato ao seu vizinho..e dos tiroteios de forma tão natural. Se fosse eu..me cagava de medo das balas perdidas..rsrs

Agora para convencer a mãe de sua amiga.. só uma boa retorica e isso eu sei que vc tem..rs

Beijos!

Erick Ravane disse...

Sabe do pior?
Nem eu me importo mais...

Baú de traças