sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ciúme é meu pau de óculos!

14 de novembro último. Visito uma amiga. Conversamos amenidades - tá bom, nem tão amenas, já que se tratava de fim de curso, ambos agoniados com monografia e tal -, ela recebe uma ligação. Era o namorado. Diz que está em casa com uma vizinha e um amigo. O quê? Que amigo é esse? Deixe de coisa, amor... Dali a alguns minutos o sujeito aparece. Soltei um boa noite sem nem saber quem era, mas a cara fechada de poucos amigos bastou pra me dar um susto de leve. Mas só após alguns minutos - na verdade, assim que ouvi minha amiga chamando o companheiro de "amor" - me toquei do figura; logo em seguida ele estava demarcando território na casa dela. Nervoso e possesso de raiva, folheava abestalhadamente um livro de Rubem Alves e pensava em cair fora dali o quanto antes; mas cadê coragem? Eventualmente, minha amiga disse que tinha que cuidar do filho mais novo (e o pai era ele, por sinal) e que eu precisava ir. Nem precisava colocar o garoto no meio da conversa, já que se tratava de engolir o sapo (1) e capar o gato (2).

Não foi a primeira vez, nem vai ser a última; várias vezes mulheres deram chilique pra meu lado por causa da desconfiança dos parceiros. Com o tempo vi emergir um estereótipo: independente de cor, credo, situação socioeconômica e aparência física, o cara tem uma cara fechada, não é de sair conversando fácil com ninguém e não raro é avesso a aglomerações. O namorado de minha amiga satisfaz plenamente as três condições - fora que é feio pra caralho. Não que eu seja um exemplo de beleza, mas, puta que pariu!, tem como não atribuir parte desse sentimento à fraqueza de aparatos exteriores? Quando contei o caso a mainha, ela riu da observação e, pra me deixar ainda mais por fora, achou graça do perrengue que passei. Afff

Divagações estéticas à parte, minha amiga esclareceu depois, pediu desculpas e tal... Disse que não se desculpasse por uma atitude que não foi dela, mas não deixei de lembrar que ela errou em se referir a ele apenas como "o pai do meu filho". Independente de desconfiança, como é que um sujeito se sente quando sua companheira fala dele pras pessoas como "o pai do meu filho"? Francamente, isso foi um vacilo dela; e, embora não tenha diretamente a ver com o que ocorreu, foi um susto a mais pra agravar minha percepção dos fatos.

Como típico jovem apressado que sou, vasculho rápido a net atrás de algo sobre o ciúme pra botar nessa postagem. Vejo um resultado na Wikipédia, citando os psicólogos israelenses Ayala Pines e Elliot Aronson, dando a seguinte definição: a reação complexa a uma ameaça perceptível a uma relação valiosa ou à sua qualidade. Tão complexa quanto o ser humano, não é mesmo? Independente do nível de complexidade, o fato é que tenho um asco, um nojo, uma ojeriza, uma raiva, um ódio, um desprezo visceral e devidamente entranhado ao ciúme. PAU NO CU! Os psicólogos dizem que é natural, que o ser humano tem isso mesmo e que um pouquinho dele é até saudável, dependendo das circunstâncias. Aí eu pergunto: os casos saudáveis são maioria ou minoria? Depois de postar esse texto, vou checar as estatísticas e quem sabe eu reveja um pouco de minha posição.

Agora, passados os palavrões e as descrições, o que penso do ciúme? Qualquer um pode ser safado, gentil, honesto ou hipócrita; até eu sou ou posso ser uma dessas coisas, acredite! Já há um tempo que minhas vivências com as pessoas aumentaram progressivamente desde que fiz o ensino médio no CEFET-RN. Aluno medíocre, sem tirar tantas notas boas, consegui aprender um bocado de coisa convivendo com um monte de gente, entre alunos, professores, funcionários e freqüentadores do colégio. Dou graças a Deus que melhorei um pouco do tato interpessoal a partir dessa época. Quanto ao ciúme, os ciumentos que me poupem de seu mal - e, se não pouparem, que tomem no cu com areia e brita; amigo meu ou não, sabe do revestrés que me dá quando nego chega pra mim querendo demarcar território? Pois é, é tão grande quanto o seu - e tanto maior quanto mais indecente, desavisada e inconseqüente for sua reação. Mesmo reconhecendo que pode ser controlado (3), não deixo de nutrir forte rejeição por esse sentimento. Ora, não sei do futuro, mas atualmente eu gosto demais da vida que tenho pra ter minha rede de contatos cortada por causa de picuinha de fulano ou sicrano que acha que tô dando em cima de sua queridinha por dar beijinhos no rostos quando a cumprimento (sou bastante caloroso, sabe?). Fica ruim pros três: pra você, que tem ciúmes de mim; pra ela, constrangida com a situação (supondo, naturalmente, que não estou nem pretendo dar em cima dela); e pra mim, porque fico com nojo de sua cara e, eventualmente, da dela. É muita frescura da mulher abaixar os olhos com cara de cachorro lazarento (!) quando o companheiro está do lado e não gosta que ela se abra pros outros, digo, que ela vá e dê um oi, pegue na mão, pergunte como tá, essas coisas (4).

Ah, eu jogo essas pedradas sem esperar o troco? Claro que não, né verdade? Você vai me perguntar que tipo de ser assexuado, extraterrestre, malcomido (epa!) eu sou. No que me diz particular respeito, posso dizer tranqüilamente que não tenho nem nunca tive ciúme de parentes, namoradas e amigos. Logicamente há a possibilidade de o sentimento ser meio inconsciente, mas tão instintivo ou instantâneo que logo passa. Os psicólogos e os ciumentos, claro, vão passar sem minha verborragia contra eles; mas ainda sou autocrítico o suficiente pra admitir que, como típico ser humano, posso sim apresentar sinais de ciúme. E, de fato, às vezes tenho manifestações repentinas desse treco; porém, elas se vão tão rápido quanto chegaram. De resto, ainda insisto em afirmar que não sinto ciúme de ninguém, e espero sinceramente não me envergonhar de mim mesmo quando me sentir assaltado; o remorso é ainda mais avassalador e venenoso que o ciúme e mais largamente distribuído.

E não pára por aí: vão dizer que se não sinto ciúme é porque não gosto verdadeiramente de meus entes queridos e ainda menos de uma companheira. Quer dizer, aquela coisa bem Orkut: "tenho ciúme e cuido do que é meu". Ah, pro diabo com esses cuidados! Os ciumentos, óbvio, têm um grau de apego maior ou menor com seu objeto (ainda que o neguem); e quem tem apego é obrigado a sentir ciúme? Que papo esfarrapado é esse? Passo três anos com uma garota, a gente se separa, ela se sente desconfortável em me ver com outra e/ou vice-versa; afora traumas pós-relacionamento nos quais há uma recusa e antipatia mútuas, esse desconforto tem que ser sinal de ciúme? Melhor dizendo, tem que haver de pelo menos uma das partes essa correlação entre ciúme e trauma? Isso é ridículo, e eu me recuso a concordar com esse argumento. Que direito tenho sobre o outro de dar pitaco na vida dele, de vigiar os passos, os contatos e os afazeres em geral? Não quero ninguém fazendo isso comigo e, portanto, me sinto perfeitamente justificado em exigir que alguém pense duas vezes antes de pensar em desconfiar de mim dessa maneira, tenha uma boa justificativa ou não. Prefiro pensar que um pouco de educação, de revisão de valores e vontade de mudar de postura podem reverter sensivelmente esse quadro, dando um desconto à biologia e esperando por melhorias na genética humana de forma a eliminar as informações que condicionam o ciúme.

(Nesse sentido, tem uma citação de Bertrand Russell que acho belíssima, seguramente algumas das palavras mais edificantes e instrutivas que já li na vida. Não é demais lembrar que ela, assim como o texto de onde foi extraída, foi determinante para a não-aceitação do filósofo no quadro de professores do City College de Nova York em 1940. Aí vai: "Rapaz e moças deveriam aprender a respeitar a liberdade de seus companheiros de outro sexo; dever-se-ia fazer com que compreendessem que nada dá a uma criatura humana direito sobre a outra, e que o ciúme e o sentimento de posse mata o amor" (5).)

Não vou pedir desculpas a ninguém. Se você gostou do texto e concorda comigo, ótimo. Se gostou mas tem lá suas discordâncias, tudo bem. Agora, se você é ciumento e não gostou e acha que escrevi merda, quero mais que se rompa. Já há muito que pretendia rabiscar umas palavras sobre o assunto e aproveitei o embalo, enquanto as idéias ainda fermentam e a raiva e o nojo estão latejando nos miolos. No mais, não pretendi fazer uma divagação exaustiva do tema, me concentrando nos casos de ciúme envolvendo casais. De qualquer forma, mantidas as devidas ressalvas, sou capaz de sentir nojo por alguém que manifeste seu ciúme com a namorada, o vizinho, o irmão ou o colega de trabalho. Se se tratar de alguém que me seja próximo, pior ainda: de tão avesso ao ciúme que sou, reconheço que não estou devidamente preparado pros chiliques de algum amigo ou amiga meus. Nos Rubicões das relações humanas, a sorte está sempre sendo lançada. Paciência...

(1) "Quando você tiver de engolir um sapo, não há o que escolher. Mas quando tiver que engolir metade do sapo escolha sempre a metade que coaxa." (Millôr Fernandes em uma de suas fábulas fabulosas)
(2) Dar no pé, se picar, fugir - expressão usada em diversas regiões do Nordeste.
(3) Vocês acham que o relacionamento aberto entre Sartre e Beauvoir foi bonitinho, que ele podia cantar qualquer uma e ela dar pra qualquer um que ficava tudo na paz? Ledo engano. Os dois eram super ciumentos, mas aprenderam a moderar com o andar da carruagem. Pense nisso.
(4) Pra você, que vai me chamar de machista: dá um desconto e não saia me tachando de qualquer coisa. Não precisa ser mulher pra abaixar os olhos com cara de cachorro lazarento nem muito menos (que se lasquem as dicas de boa redação) ter essa frescura. Uma amiga minha comentou que a namorada dela tem ciúmes de mim, só Deus sabe por quê. Detalhe: as duas são lésbicas. Logo...
(5) Aquilo em que creio, incluso no livro Por que não sou cristão. Há, no entanto, uma edição de bolso pela L&PM apenas com esse texto.

4 comentários:

Renan Rosenstock disse...

"O ciúme lançou sua flecha preta e se viu ferido justo na garganta" ♫

Rapaz, ou é impressão minha, ou os homens e mulheres estão se "animalizando" mais? O termo é bem esse... "marcar território". Tem gente que só falta mijar em volta da(o) parceira(o)... Esse tipo de reação, ao meu ver, denota claramente que a pessoa tá aprontando alguma, ou é muito insegura. Sei não. Sei que também acho escrota essa coisa de ciúme.

Grande abraço, Lázaro.

Luiza Oliveira disse...

Junior, seu linguarudo! Não comente e publique mais as coisas que falamos em casa, senão cobrarei direitos autorais!!

Ass: Mainha.

marcenga disse...

achei muitíssimo válida sua observação de q o rapaz era fraco das feições... hahaha

mas, como disse o moço aí em cima, a coisa vem muito d instinto, muito de dentro pra fora, que nem diz Caetano: "o ciúme doí no cotovelo,na raiz dos cabelos..."

também achei demais citar a relação de Sartre e Beauvoir, q com certeza daria um bom ponto de partida para uma pesquisa sobre o tema!

bjocas!^^

Rebeca Xavier disse...

eu tinha pencas de coisas pra escrever, mas o comentario da tua mãe me fez rir tanto - e lembrar da minha própria mainha - que eu até esqueci e teria q ler td de novo, mas eu n sou nem pbrigada =P

Baú de traças