domingo, 18 de setembro de 2011

Lolita no confessionário

Navego naInternet, abro o Facebook, alguém posta uma notícia. O título: “Bispo justifica pedofilia: ‘tem criança que provoca’”. A primeira reação? Rir. Tinha que rir, ora! Primeiro, e a despeito do blog onde conferi a notícia: o título possui uma conotação extremamente sensacionalista. De fato, o bispo Bernardo Álvarez desejou provocar aquela sensação ante o clero e os fiéis católicos, pois não é qualquer padre que possui coragem de soltar uma declaração dessas. Sou tentado a pensar mesmo que Álvarez foi o porta-voz de parcela expressiva (para não dizer grande maioria) do clero católico no mundo, independente de os clérigos praticarem ou não a pedofilia. A igreja que se pretende cristã e tem por Pedro seu primeiro chefe realiza, por meio dessa linha de raciocínio, o movimento diametralmente oposto ao de Jesus: enquanto este pedia que lhe deixassem vir as criancinhas, a ordem agora parece ser a de afastá-las, ao menos aquelas que seriam provocativas.

Não bastasse a risada com o título da notícia, eis que o bispo usa já uma tática bastante batida: comparar a pedofilia à homossexualidade, afirmando que se pode praticar uma ou outra devido ao interesse na forma distinta de sexualidade que estimulam. No entanto, ele ousa questionar o estatuto patológico da pedofilia,perguntando por que deveria ser considerada “enferma”. Embora o repórter lhe lembre que o abuso de menores é uma relação não consentida, o bispo treplica afirmando que pode haver “menores que o consintam e, de fato,há. Há adolescentes de 13 anos que são menores e estão perfeitamente de acordoe, além disso, desejando-o. Inclusive, se ficares distraído, provocam-te” (grifo do blog de onde vi a notícia).


Mas meu filho, acabei de te dar um pirulito!


Dei bastante risada com a notícia, admito. Por pouco um cara não me repreende no Facebook pela reação. Como assim, rir da pedofilia clerical? Respondi que não é porque se ri que não se leva tal ou qual assunto a sério. Trata-se mais do que “rir pra não chorar”. Não é o espaço aqui (talvez retome o assunto em outra postagem), mas já há algum tempo que tomei para mim a atitude de considerar, no riso, um meio de aceitar a existência de sandices cometidas pelo ser humano – uma forma mesmo de reforçar a fé em nossa espécie, a fé em nossa capacidade de falhar e realizar absurdos os mais inimagináveis. Entretanto, não creio que tal atitude seja válida em qualquer medida; não porque eu seja hipócrita comigo mesmo a ponto de abrir exceção a minhas próprias merdas, me impedindo de rir de mim mesmo, mas porque simplesmente há coisas das quais não se pode rir, seja por motivos objetivos (de ordem social, por exemplo) ou subjetivos. Saber rir é uma experiência tão digna de se levar em conta quando a de saber parar de rir (ou nem começar o gracejo).

Pois bem: parando de rir, me lembro daquele relato fabuloso de pedofilia que é Lolita, de Vladímir Nabókov. Humbert Humbert encarna o arquétipo do pedófilo perfeito, pois ninguém sabe do rala-e-rola entre ele e Dolores Haze. Não há palavrões na obra, e as relações sexuais são, no máximo, sugeridas. Ninguém descobre os ardis que empreendeu para prender a garota, que mal e mal se deixava prender por suas chantagens. Mas não é dele que se trata, e sim da figura da ninfeta. Nabókov, transformando uma antiga classe de deidades gregas em neologismo, evoca o turbilhão de desejos polimorfos no ser humano, independente de sermos crianças ou adultos, homens ou mulheres. Tais desejos não se deixam amarrar pelas convenções sociais, normas morais de conduta ou mandamentos religiosos. O julgamento moral vem após a amoralidade.

"Lolita, luz da minha vida, labareda em minha carne"

Imagino, então, uma cena bastante singela: o bispo Álvarez no confessionário, emprestando seus ouvidos a Deus e ouvindo as barbaridades da próxima pessoa. Naturalmente, quem está confessando suas brincadeirinhas sexuais é Lolita. Humbert, surpreso com o súbito fervor religioso de sua enteada, reluta em permitir a confissão, mas acaba cedendo. Ali, na intimidade de uma divisória, Lolita conta de tudo: as barganhas baratas que seu padrasto fazia o tempo inteiro, o prazer e o nojo nas relações sexuais com ele e com os jovens de sua idade, as faceirices típicas de uma garota de doze anos da qual desabrocham, pouco a pouco, botões de carne que virão a ser conhecidos por peitos. Que fará o bispo? Concederá perdão imediato aos pecados da pequena confessa? Ou antes, penetrando cada vez mais a intimidade de sua interlocutora, lhe pedirá que prossiga narrando outras aventuras e não o poupe dos mais insólitos detalhes?
Para terminar, gostaria de agradecer à Igreja Católica por alimentar meu humor negro. Gostaria ainda de cumprimentá-la por duas táticas amplamente eficazes na lavagem cerebral do clero e de seus seguidores: o celibato e a confissão. Pois só o celibato para incutir, nos sacerdotes, a suprema ilusão de que, controlando os desejos do corpo (chegando a extremos como a Opus Dei, que faz do cilício um dos principais apetrechos da mortificação corporal) e evitando a procriação, poderão eles exercer melhor sua tarefa. Que sabe o padre do poder do boquete e das delícias do sexo anal, do ménage e da suruba? Aí está o estopim dos abusos de menores na Igreja. Coibindo o intercurso sexual no sacerdócio com a excomunhão, a instituição prepara o terreno para a prática da pedofilia. E qual não será a surpresa da mãe, após confessar que traiu o marido com o melhor amigo (1), ao descobrir que o padre também pecou, oferecendo o pirulito a seu filho?

"Não posso lhe perdoar até que você peça desculpas em frente à mídia."

(1) Decida.

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Baú de traças