Segunda-fera última, no FB, uma página escaneada de uma história rápida de Cebolinha. Na hora ri e, naturalmente, socializei. Primeiro, um cara me pergunta por que é que Cebolinha alegou falar "elado"; tava se sentindo burro por não ter sacado a explicação do personagem. Na hora respondi que se tratava de pedofilia, ele também o havia notado; arrematei que, de repente, é porque ele tava querendo se sair do padre, e o cara replicou que havia pensado na possibilidade de Cebolinha ter sido molestado (hipótese também confirmada nos comentários de onde a imagem foi publicada). Não pude deixar de rir na hora, mas a coisa ficou um pouquinho mais séria quando vi que outro cara havia compartilhado a história e, entre os comentários, foi posta a questão: Mauricio de Sousa realmente autorou (ou autorizou, pelo menos)?
As dúvidas continuam: nesta outra postagem, já tem gente apelando pro moralismo e dizendo pra fecharem a revista. Já a Desciclopédia não podia deixar passar um tesouro desses, empregando-a para ilustrar devidamente seu verbete sobre os padres pedófilos. É verdade que Mauricio de Sousa sempre põe umas pitadas boas de humor e ironia em suas histórias, até hoje eu rio com elas. Parece, entretanto, que houve ali um certo sacrilégio autoral. Como se ele não pudesse escrever e publicar um libelo contra a pedofilia entre os padres! Dou graças a Deus por ser livre e descer o malho.
Mas se eu sou livre pra descer o malho em quem bem entender, é lógico que devo tomar cuidado (isto é, preparar meu cu) com as retaliações. Diz este tópico que aquilo se trata de uma montagem patrocinada pela ATEA (há outra página redirecionando para a imagem original). Há a página de uma outra história pra confrontar, mas há um problema: de onde ela foi tirada? Fake ou não, a historinha do trauma tá lá no FB da ATEA rendendo um bate-boca caprichado. O pior é que, até o momento em que escrevo, não consegui encontrar nenhuma declaração do quadrinista sobre a montagem.
De qualquer jeito, armaram o paiol. Juntaram pedofilia, anticlericalismo e ateísmo, e as opiniões explodiram e se chocaram umas contra as outras. Subjacente a esses temas, contudo, está o problema da autoria. Já se sabe por aí da famigerada tese sobre a morte do autor, divulgada por autores (!) como Foucault e Barthes (1). O traço está lá, as palavras estão lá, o estilo também está lá - mas a figura do autor apenas parece costurar todos esses elementos, e isso ficaria ainda mais forte se não fosse descoberta (ou atribuída) a origem da montagem, de modo que a autoria seria mesmo relegada a Mauricio de Sousa (não ao Mauricio de Sousa de carne e osso, mas ao cara que criou uma série de personagens famosos na quadrinística brasileira e que, seguramente, não dá conta de criar, roteirizar e desenhar tudo).
No entanto, é notório que o autor não está morto e, se não está vivo, está morto-vivo; pois foi com muita virulência que reclamaram no perfil da ATEA com a publicação dessa suposta história, desrespeitando assim a figura de Mauricio de Sousa. Essa força e presença material e efetiva do autor (e do leitor) é defendida por correntes tão distintas como a estética da recepção, o Círculo de Bakhtin e a hermenêutica. A análise do discurso (de Dominique Maingueneau, Ute Heidmann e Jean-Michel Adam) faz uma média entre os dois extremos, até porque costura algumas dessas correntes (Maingueneau bota Foucault e Bakhtin em seus livros, por exemplo); sem confundir autor como procedimento textual e autor-pessoa (isto é, o cara que escreve este blog e o Lázaro Barbosa "realmente existente"), ela procura dar conta de sua inserção em um meio social dado.
Enfim: escrevi tudo isso pra tentar alinhavar as impressões que tive sobre o acontecido. Se eu pareci desconexo, tudo bem: a fala de Cebolinha também suscitou dúvidas, como expliquei no início do texto. Tá tudo tão enrolado, tão sem propósito e gratuito que às vezes a gente manda tudo às favas. Independente disso, pelo menos gostaria de deixar minha opinião sobre a montagem (sim, ao que vi nas pesquisas sobre a historinha, não tenho dúvidas que se trata de uma montagem): achei sardonicamente divertida, mesmo sabendo que não foi Mauricio de Sousa quem a escreveu.
(1) Derrida, até onde eu saiba, não enfatizou tanto a morte do autor, embora haja observado o paradoxo da legibilidade dos textos após o óbito de quem os escreveu; salvo engano, ele trata dessas coisas em "Assinatura Acontecimento Contexto" (em Margens da Filosofia). Geoffrey Bennington também assinalou essa questão da autoria (e da escrita) em seu livro sobre o filósofo (Jacques Derrida). Mas isso é outro papo.
3 comentários:
Também achei essa tirinha um pouco estranha, acredito que não seja mesmo do Mauricio de Souza, na hora que a gente lê ela achamos engraçado mas depois de entende-la mesmo fica estranho.
Deve ter sido a atea do jeito que eles são...
Deve ter sido a atea do jeito que eles são...
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