Sexta-feira passada, dei um pulo
na CIENTEC pra ver o movimento, as atrações... Assim que passo pela entrada que
dá pra Praça Cívica do Campus, vejo uma galera se aglomerando em volta de um
furgão. Olho mais atentamente e reconheço o veículo – era da InterTV. A
aglomeração, por sua vez, era dos black blocs – gritavam palavras de ordem (!) que
não consegui distinguir, e rapidamente cercaram o furgão, baixando a porrada e
pichando. Um mesmo até lançou um molotov. Não havia segurança ostensiva por
perto, e os profissionais da empresa só podiam aguardar que os black blocks passassem.
Após o tumulto, avistei um
conhecido, que tinha interrompido os trabalhos na Rádio Sonora Experimental
(projeto de extensão da UFRN, agrupando estudantes dos cursos de comunicação
social da instituição – jornalismo, rádio e TV, publicidade e propaganda)
devido à agressão dos black blocs. A viatura da InterTV estava postada a quatro
ou cinco metros do estande da rádio (ambos do lado das escadas que levam ao
palco da praça), o que justificava a interrupção: se os black blocs lograssem o
objetivo, a viatura poderia mesmo explodir, atingindo todos os que estivessem
em volta – já havia bastante gente passeando e/ou aguardando as atrações da
CIENTEC. Ele lamentava, com alguma nostalgia, que as movimentações políticas de
então não tinham tanto peso quanto as de anos atrás. Preferi me manter em
silêncio na hora, porque achei o julgamento dele contra-intuitivo: oito ou nove anos atrás, não havia uma agenda de protestos tão intensa quanto a de 2011 até
hoje.
Devido a essa publicação, os
editores do Pasquim ficaram presos durante dois meses (fora as outras prisões
por motivos diversos que um ou outro jornalista sofreu ao longo do tempo do
jornal) – ainda mais se nos lembrarmos que em 1968, enquanto o mundo fervia ao
calor de greves e contracultura, Costa e Silva baixava o AI-5. Ou seja, todo
cuidado é nenhum quando se trata de satirizar não apenas a ditadura, mas também
o legado histórico que ela divulgava e pretendia defender! Mas que se lasque; a
mensagem estava dada, e qualquer jornalista que apelasse para o humor, como fez
a “patota” do Pasquim, precisava tomar cuidado com o espectro do humorismo a
favor (que Millôr Fernandes denunciou anos mais tarde, durante as eleições de
84 a respeito de Tancredo Neves).
Divagações à parte, voltemos e
misturemos tudo – os black blocs na CIENTEC, a pintura de Pedro Américo e a
montagem de Jaguar. “Independência ou Morte” foi encomendada pela família real
brasileira, numa conjuntura em que a pressão pela república estava em seu ponto
máximo (fora, naturalmente, a proclamação que sobreveio em 1889). Além da
acusação de plágio (de um quadro de 1807, “Friedland”, de Ernest Messonier), há
que ver os elementos que a compõem – montaria (no quadro são cavalos; na época
de D. Pedro I, os animais usados eram mulas e jumentos, que suportavam melhor
grandes distâncias), uniforme (D. Pedro I e a comitiva não usavam uniformes de
gala no anúncio da Independência), soldados (bem menos que no quadro) e a casa
(seu primeiro registro é de 1884, e não se sabia se ela existia em 1808). Quer
dizer, toda uma inflação moral, uma glorificação exagerada, uma lisonja
desmedida – a serviço do poder político do Império brasileiro. A imagem – e toda
a lisonja que a compõe, naturalmente – não deixou de ser reclamada, de modo
implícito, pelo regime militar, quando da prisão de Jaguar e demais. Tooooooodo
um estardalhaço, gente! Mas peraí: os black blocs, na CIENTEC, não estariam
fazendo algo parecido, mesmo com uma visão oposta? O suposto alvo deles é a
propriedade privada em suas mais variadas formas (no caso, a viatura da
InterTV), mas eles simplesmente não atentaram (1) nem pro público em volta, nem
pra estação do pessoal da Sonora. Eu não chegaria ao falso-moralismo de chamar
ação direta de vandalismo, mas não tem como endossar a prática do depredamento
sistemático em prol de um ideário político (nem mesmo se a violência
desembocar, aliada a outros fatores, em um quadro geral de melhoria pros
cidadãos). O imaginário que os black blocs evocam – ação direta, ausência de
líderes, engajamento voluntário e anônimo – não me seduz, justamente por ser o
reverso da moeda: como não traçar paralelos com as figuras do imperador e dos
militares e sua necessidade de liderança, do engajamento pela força
(alistamento militar obrigatório)? Suas agendas políticas são distintas, mas comum
a elas se situa o extremismo. Em circunstâncias desiguais, mas por motivos
diferentes, todos foram motivos de chacota – os black blocs na CIENTEC, vaiados
pelos presentes, e o Império e a ditadura, satirizados pelo Pasquim. Antes de
terminar, permitam-me uma apropriação (completamente vagabunda, faço questão de
frisar) da estratégia de Jaguar sobre uma foto de Nathalia Campero e soltar minha graça:
E não, não quero mocotó.
(1)
Modo de dizer é claro que atentaram, mas
levaram a ação até o fim.
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