segunda-feira, 14 de julho de 2008

Baudrillard e os Mamonas Assassinas

Puxa, quinta passada bateu aquela nostalgia. Antecipada, claro: desde terça ou quarta que eu já sabia do programa - embora só voltasse a lembrar quando cheguei em casa, após o jogo de dominó. Na Globo, aquele programa - especial? - recontando a trajetória meteórica dos Mamonas Assassinas. Num conjunto habitacional de Guarulhos, quatro jovens animavam o público local com um repertório melancólico - o que mudaria com o ingresso de Dinho e um show no ginásio da cidade (Thomeozão) negado; o diretor trancou o portão dando um esporro no grupo - como iriam tocar ali, se o nome da banda - Utopia - não ajudava?

Algum tempo depois, tocaram num comício eleitoresco. A galera gostou, fizeram um demo, procuraram uma gravadora, foram recusados; acabaram por voar a Los Angeles e gravar o bendito disco. Voltando ao Brasil, o povo começava a conferir seu trabalho. Pronto: em alguns meses, um grupo de pastichadores palhaços - não estou sendo hipócrita - pintava e bordava nos palcos daqui. Português, nordestino, corno, gay: os Mamonas Assassinas entoavam o coro e botavam a galera pra cantar, tiravam sarro com Faustão, Xuxa e Gugu e faturavam o deles. Numa rotina girando em torno de trinta apresentações por mês, o vocalista conseguiu ir da picardia à fúria; questionado sobre se haveria algo de diferente numa delas, Dinho soltou: "eu espero que seja super diferente, a gente lá em cima do palco, tocando, o público lá embaixo, pulando, acho que vai ser bem diferenteque claro, eles estariam no palco tocando, e o público lá embaixo escutando, seria bem diferente; de volta ao começo, no Thomeozão, não hesitou em chutar os suportes de microfone ao desabafar o capítulo de desânimo que havia sido escrito ali, exultando o público a não desistir de seus sonhos. Tudo numa euforia irreverente, voavam os irmãos Samuel e Sérgio, Dinho, Bento e Júlio - este com uma premonição muito nebulosa - ao encontro da morte: o avião perdera o contato com a torre do aeroporto de Brasília, os pilotos não entenderam o comando de lá. "Parece que o avião caía... eu não sei..."

Nada mais oportuno para a aparição fantasmática de Jean Baudrillard - não tanto pelo susto, mas pela lembrança confusa de algumas idéias suas, que tento confusamente ordenar. Segundo li uma vez, para ele só havia uma forma de produção cultural na pós-modernidade: o pastiche. Eis aí um elemento para a acolhida tão vibrante da banda, por mesclar rock, forró, brega, Chapolim Colorado, Robocop e o escravo-de-jó de maneira assas livresca. Mas o homúnculo francês certamente não escutou "Sabão Crá-Crá"; a música não o agradaria, decerto, e ele estava ocupado demais em regurgitar suas teses do simulacro, na crença descarada na entropia pós-moderna.

E aonde isso nos leva? Sei lá. Eu ouço a música deles uma vez ou outra, esmerando em imitar Dinho. Não sei até quando, mas quando parar não será por causa de Baudrillard. No entanto, ele declarou uns anos atrás que o fenômeno da pós-modernidade no Brasil era bem complexo para o alcance teórico dele (1), mais até que a americana. Aí talvez uma pista escondida para pensar, entre outras besteiras, o sucesso fulminante dos Mamonas Assassinas - a um só tempo músicos, bobalhões e (em última instância) humanos. Mas, sinceramente, pensaria mais neles se não fossem tão bestas, ou é a besteira deles que me oferece um quinhão de idéias para pensar a pós-modernidade?

(1) "Já me cobraram um livro sobre o Brasil. Cito-o em minhas Cool Memories (trabalho no quinto volume) e em outros textos, mas a cultura brasileira é muito complexa para meu alcance teórico. Ela não se enquadra muito em minhas preocupações com a contemporaneidade, não tem nada a ver com a americana, com seus dualismos maniqueístas, um país que se construiu a partir das simulações, um deserto da cultura no qual o vazio é tudo. Os Estados Unidos são o grau zero da cultura, possuem uma sociedade regressiva, primitiva e altamente original em sua vacuidade. No Brasil há leis de sensualidade e de alegria de viver, bem mais complicados de explicar. No Brasil, vigora o charme." A entrevisa completa está disponível aqui (créditos de Luís Antônio Giron, que entrevistou o sujeito e publicou na revista Época de 07/06/2003: http://www.consciencia.net/2003/06/07/baudrillard.html

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