domingo, 10 de maio de 2009

Terapia primal

Mal acabava de me arrumar para sair e dar uma descarga no stress acumulado durante o dia inteiro, ela chega me perguntando, de supetão e num tom cínico, se vou curtir a boemia. A princípio, o susto: com que maneira esdrúxula essa velha desgraçada quer saber aonde vou ou deixo de ir? Quer dizer, tinha que avançar logo dessa forma (pois não ia aproveitar apenas a boemia, mas a orgia, a pegação braba)? Na qualidade de inquilino, talvez não fosse nada demais eu dizer o que iria fazer, para o caso de alguma eventualidade. Qual eventualidade, meu Deus?! Dois meses e essa sacripanta empurrando sapo atrás de sapo em minha goela, e eu tendo que suportar calado todo o falatório mesquinho e repassado de malícia dessa mulher! Ah, não, hoje não; eu só quero sair e dançar meu forró na Feira de São Cristóvão, chegar de manhãzinha, tomar meu banho e curar a canseira! Mas eis que senhor Hyde franze o cenho, levanta escarninho um dos cantos da boca - agora não lembro qual, de tão enfurecido que estava -, o sangue fervendo da adrenalina concentrada, olha bem fundo nos olhos de sua interlocutora e, não bastando a torrente desabando sobre as cidades do Norte-Nordeste, jorra a sua. Foi mais ou menos assim:
- Que merda de tom de voz você usa pra se dirigir a mim, hem?! A troco de quê você futrica minha vida?! Se eu vou sair por aí, procurando sarna pra me coçar, tá na cara que o problema é de meus vinte e um anos de vontade de botar na cabeça que, a qualquer momento de minha vida, toparei com a mesquinhez de um ser humano putrefato e desbocado como você, Flor de Maria!! Se eu quiser encarar a putaria por aí, não preciso ir a um bairro, um restaurante ou uma rave, dona Flor, só o que há no Centro do Rio são puteiros, com garotas disponíveis para um bola-gato a partir de dez reais, todos os dias um panfleto pára na minha mão, já fui diversas vezes me lambuzar e foi do caralho, era cada xereca rebolando com a porra no meu pau!! (Era um blefe, nunca fui a um puteiro. Mas guardei os panfletos para uma eventualidade.) É isso que você quer?! Ah, é isso, hã?! É como diz o ditado, dona Flor, só um pau bem duro pra manter mulher quieta em casa e cavalo seguro no campo!! Então, é por isso que você lança essa pergunta estúpida? Para sondar a possibilidade de eu arrebentar sua boceta seca da menopausa? Não, dona Flor, não vou a nenhum puteiro nem a orgia ou boemia, vou me divertir porque gastar meus palavrões com uma bruaca feito você não vale a pena, mesmo que você mereça!!!
No instante seguinte, ela me manda fazer as malas e me mudar.
***
Acordo assustado com o sonho. Com que ousadia soltei a língua pra cima dela? Não, ainda não estou em condições para tal. Certo estava o homem do subsolo de Dostoiévski; melindrado com um oficial que esbarrou nele de forma esnobe, o sujeito maquina, silenciosa e meticulosamente, sua vingança, dando a ela um aspecto solene até. Quando menos esperava, vestiu sua calça manchada, casaco, pele de castor alemão, foi ao encontro do oficial, trombou com ele, e pronto: mais uma certeza de que ninguém o constrangeria a se comportar de acordo com não se sabe quais normas hipócritas de convívio (ou leis da natureza, como preferiria o autor russo). Ainda agora aguardo minha vingança...

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Baú de traças