terça-feira, 14 de julho de 2009

Se não der, eu choro!

Este fim de semana último (1), quando eu tava matando o vício da Internet, no janelão do MSN uma mulher comentou que bebe pra se soltar (ela é muito tímida), mas tanto que termina por ficar bêbada. Em tom de troça, sugeri a ela que, se for apenas esse o motivo, que ela procurasse alternativas mais simples, como dançar um bocadinho e aproveitar o ensejo da quadrilha improvisada no ENEL (Encontro Nacional dos Estudantes de Letras), e que assim ela evitaria piadinhas bestas. Ela me respondeu que não tava nem aí, e que se nego chegasse falando merda ela mandava tomar no cu.

Ainda na semana passada, encontro uma colega de filosofia mais um amigo dela na rua; como não tínhamos nada a fazer, fomos a um bar beber algo e comer (eles; eu já estava com as tripas cheias). Do nada, a gente começa a falar sobre sexo, ela me dizendo que precisava transar mais, e que devia buscar experiências mil. A coisa chegou a ponto de, perguntando se eu já tinha ido a um baile funk, combinar com o amigo dela de arranjar pó pra eu cheirar, ficando assim mais liberto para um ménage-à-trois ou coisa que o valha.

Mas o que me espantou mesmo foi avistar, na capa de um jornaleco bastante popular no Rio, a matéria de um jovem fumante com a singela idade de dois anos. Isso mesmo, caro leitor: não é trote, não é boato, não é mais um desses hoaxes que vive recebendo em sua caixa de e-mail ou lendo por aí pelo ciberespaço. Tong Liangliang foi introduzido no vício por papaizinho querido, preocupado com as dores de hérnia que acometiam o guri desde o nascimento e com a impossibilidade de ele passar por uma cirurgia, por ser bastante novo. Tinha dezoito meses quando deu o primeiro trago. Hoje, aos dois anos de idade, enche o saco da galera pedindo careta pra fumar, e faz muxoxo se não lhe derem; todo dia consome um maço.


Pensei: não podia dormir sem essa. Em menos de uma semana, esses três episódios sem conexão aparente me deram, afinal de contas, algumas idéias esparsas (duas, três no máximo) para mais uma postagem. Uma delas se refere ao teor de sandice do ser humano (incluindo eu); por mais que ele se engane ou se segure (ou se recalque, diriam os psicanalistas), vive inventando desculpas estapafúrdias para justificar suas mesquinhezas ou simplesmente dar vazão a elas (2). A outra é minha estranheza a esse hábito, largamente difundido no tempo e no espaço, de recorrer a uma substância para obter algo, seja me soltar numa festa ou agüentar o rojão num motel por mais de uma hora (mesmo com o risco de gangrena). Raskólnikov, em Crime e castigo, tinha uma teoria: se os grandes homens promoveram banhos de sangue em nome de suas idéias e foram absolvidos pela história, por que ele não poderia passar impune ao assassinar uma velha agiota e horrivelmente mesquinha? O problema, no entanto, foi que o ex-estudante se atormentou por um tempão antes de entrar na cadeia, não pelo ato - devo adiantar que ele não se considerou um criminoso -, mas por não ter passado pelo crivo da teoria, pois concluiu que havia matado um "piolho", e não um ser humano qualquer. De forma semelhante, as pessoas que se entopem de cigarro, maconha, birita e o diabo raciocinam: ué, xamãs, pajés, médicos, Huxleys e Hemingways se chapam na maior e ninguém liga; por que eu, merdinha que sou, não posso dar um trago, um gole ou uma fungada pra ficar ligadão?

Não é brincadeira, minha gente. É claro que não me esqueço daqueles que, sem ter ingerido uma gota de etanol ou fumado um cigarro, fazem desgraças enormes e lavagens cerebrais no povo por aí. Prefiro me contentar com as merdas que digo durante um bate-papo mais ou menos animado (quanto mais animado, mais merdas eu digo e maior a probabilidade de eu soltar um impropério pesadíssimo). Se for pra sair na porrada (apesar de não saber o que é uma briga há quase seis anos) ou saber duma garota se ela tá a fim de uns beijos (mesmo que, o mais das vezes, eu não chegue junto), que seja sóbrio. E não tem nada de moralismo nisso. Vou procurar alguma celebridade histórica digna de meu interesse, que não haja usado drogas, e dar uma de Raskólnikov: provar a mim mesmo que não preciso de droga nenhuma pra melhorar minhas aptidões.

(1) De acordo com a gramática tradicional, isso seria rechaçado como pleonasmo.

(2) Millôr Fernandes elencou um pequeno repertório delas. Se não achar que é mentira, pode conferir aqui: http://veja.abril.com.br/idade/estacao/veja_recomenda/100805/todo_homem.html O título, mais do que sugestivo, é
As maiores e mais constantes mentiras, ou autojustificativas ou tapeações, humanas: (sim, o título tem os dois-pontos).

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Baú de traças