sábado, 8 de maio de 2010

Vivendo às escondidas

Em certas circunstâncias da vida, se há uma coisa que magoa a muitos de nós, é ter que se esconder para viver. De forma permanente? Não sei. Por vezes, é bem possível – e até mais freqüente do que eu possa imaginar – que a existência se apresente como um saco envolvendo a cabeça e asfixiando; alguns chegam mesmo a pedir pra sair, fartos de tanto desgosto e amargura. O limite entre essa condição, doentia, e uma supostamente tranqüila é tênue e cego. Mas deixemos essa indagação de lado, por já ter sido devidamente explorada por filósofos, romancista, cineastas e outros desses indivíduos dedicados a queimar os neurônios explorando situações efetivas e hipotéticas nas quais a tônica da angústia se mostra presente de cabo a rabo. Sejamos mais modestos: examinemos um episódio que se passou comigo duas semanas atrás.

Eu tinha ido a São Luís: participar dum encontro de estudantes, conhecer a capital maranhense, tomar Jesus, dançar um bom reggae de radiola... e encontrar pessoalmente uma garota com quem havia paquerado no MSN por mais de quatro meses. O clima antes de eu viajar não era dos melhores, mas estava disposto o bastante para curtir o feriado de Tiradentes com ela. Havíamos marcado o encontro para meio-dia, restando decidir o local (que deixei para ela fazer). Cheguei na cidade de madruga, mandei um torpedo. Perto de meio-dia, nada de ligar; mando outro torpedo, ligo algumas vezes. Nada. Com sorte, consegui ligar pra casa dela, isso lá pelas três da tarde; marcamos então o encontro para as quatro e meia, lá na Praça Maria Aragão. Não deu: a mãe, que parasita (eu não sei de palavra mais adequada, vai essa mesmo) diversos aspectos da vida dela, inventou de acompanhá-la. E eu, entre ansioso e lerdo, ia num carro até a Litorânea com um cara da delegação da UFRN, uma amiga minha e uma amiga dela (de minha amiga, lógico). Liguei, liguei várias vezes; a mulher que eu deveria encontrar manda uma mensagem dizendo que tentava despistar a mãe, sem sucesso. Continuei a ligar outras vezes; meus telefonemas não foram atendidos nem retornados. Passei a tarde numa mesa de bar, já com uma outra amiga minha e o namorado, que haviam se juntado a nós no meio do caminho. Chegando à praia, procuramos um bar; enquanto conversávamos, não cessei de fazer muxoxo, visivelmente puto com o que estava acontecendo. Não havendo o encontro com ela, só me restou aproveitar a primeira noite do encontro de estudantes, que felizmente foi ótima.

Na quinta, já na UFMA, recebi uma mensagem após acabar um mini-curso que assistia. Ela ainda queria me ver. Em “vinte minutos” estaria lá; se atrasou, porém, e eu liguei um bocado de vezes – também sem sucesso. Sentado numa bancada perto da agência do Banco do Brasil lá na universidade, ela chegou por trás e se postou a minha frente; eu, já com a raiva e tristeza misturadas, dou um abraço mais ou menos estreito, mas recebo um tímido e sem sal. Ela ainda foi ao banco resolver umas coisas; saímos, tentamos puxar papo, e quando eu achava que poderia curtir um mínimo de tempo suficiente para dar um beijo (frouxo assumido, não teria como abordá-la de uma vez), que nada! O tempo era curto, só tínhamos mais meia hora até ela pegar o ônibus, voltar em casa e viajar pra outra cidade, onde trabalha como professora. Ainda assim, tive tempo para ouvir a desculpa do não-encontro: ela havia cochilado depois do almoço, não botando o celular pra despertar; quando estava saindo, inventou uma mentira idiota para a mãe, que então inventou de acompanhá-la. Minha reação? E quem disse que esbocei uma reação? Tudo o que fazia eram caras e bocas. Quando o ônibus chegou e ela teve que sair, ainda teve um monte de gente pra subir – tempo suficiente para dar um último abraço, desesperado e desenganado de uma só vez. Ela se despediu, dizendo que talvez voltasse a São Luís para me encontrar no final de semana. Ainda não era meio-dia quando nos separamos; antes de uma hora, recebi uma mensagem. Meus olhos eram lindos... Instantaneamente, minha temperatura emocional, que já não era baixa, aumentou ainda mais. E, depois do choque, só pensava em uma coisa: como seria melhor se não nos encontrássemos!

Nos dias seguintes, resolvi curtir o encontro e a cidade, aproveitando as energias disponíveis para isso. Dancei, conheci gente, saí pelo Centro Histórico, dei uns beijos; além disso, tive a agradável e gentil companhia de uma garota da UFRN, com quem me esbarrava direto. Uma ótima companheira de viagem! Mas, na volta para Natal, dentro do ônibus, conversava com ela sobre minhas peripécias. Logo após ela se virar pra dormir, chorei um choro silencioso, conquanto pungente e que aguardava por fluir em minha face. Ainda uns dias depois, já aqui em Natal, haveria de chorar de novo em frente ao computador, enquanto conversava com a garota ludovicense para compreender o que se passava com ela antes de nos encontrarmos. Além de ter a certeza do clima morno e sem grandes expectativas futuras para nós dois, ganhei de brinde um despautério: ela pensava que eu não gostava mais dela, não levando a sério minhas tantas ligações para ela! Ou seja, um novo capítulo de uma novela que havia conhecido dois anos atrás – mesmo em circunstâncias diferentes, com mulheres diferentes e sob tensões emocionais não tão diferentes... as duas amarelaram. As duas se arrependeram de não ter feito o que gostariam de fazer, e me fizeram pagar esse pato por duas vezes (1).

Meu consolo nos últimos dias tem sido as leituras de Freud; aliás, foi graças a ele que associei os acontecimentos resumidos no fim do parágrafo anterior. Compulsão à repetição é lasca; mesmo sem querer, sofremos as mesmas coisas pelas mesmas razões e, inconscientemente, nos sentimos impelidos a isso – há quem goste mesmo de viver sofrendo. E, enquanto as feridas não saram, recordamos e provamos da dor fina e lancinante alimentada pela memória, rancor, tristeza e um pouco de nostalgia (meu caso). Segunda-feira última, assistindo a um espetáculo de dança-teatro no DEART (UFRN), rolou uma música na trilha sonora que achei massa. Quando acabou, subi à base de pesquisa, entrei na net e procurei a letra; procurei a música, escutei, e descobri que já a havia conhecido antes: Heroes, de David Bowie. Não foi exatamente minha história; felizmente, a minha foi menos ruim – o que não impediu de me identificar com uns versos. Seria mesmo um heroísmo passar um único dia com ela, digno de boas recordações, quem sabe... Só por um dia! Mas a fatídica quarta-feira foi dispendiosa, de modo que eu bem poderia passar por mártir se me deixasse contagiar completamente por tudo isso.

No mais, ainda bem que a vida anda. Dou graças a Deus por estar vivo, por ter os amigos que tenho e pela oportunidade de me dedicar a meus projetos. Foda é reconhecer que, na condição de crente desobediente que eu sou, só me lembro dEle nessas horas. Não me arrependo do que fiz, ainda mantenho a confiança na Internet e não deixarei de paquerar pelo MSN. Além do mais, se existe uma coisa que pode nos confortar, é a certeza de não precisar viver constrangido por ninguém: mãe (foi a mãe, raiva desgraçada!, que contribuiu para empatar o encontro – não sem a cumplicidade afetiva dela, claro), pai, a senhoria mesquinha a cobrar o aluguel (Crime e Castigo) ou a cabeça pesada por transgredir um dogma. Tentei impedir que ela fizesse a idiotice de não terminar o que começamos, não funcionou. Um dia ela se manca. E eu também, por falar nisso.


(1) Na verdade, ninguém faz ninguém pagar o pato de ninguém. Eu só quis adotar um falso tom de vítima, pra variar um pouco e você pensar que eu não sei da condição de cúmplice de mim mesmo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ai Lázaro, após esse desabafo e todos os outros que se sucederam..vc ainda pensa nessa "inhazinha"?

Axo que vou pegá-la com a chibata!..rsrsrs

Beijão.

Baú de traças