domingo, 17 de abril de 2011

A desgraça dos outros (2): Fukushima e Chernobyl

Estrondoso o acidente nuclear no Japão. Soube da notícia ainda de madrugada, pelo Twitter, enquanto matava o vício da net. Na verdade, o que houve primeiro foi o terremoto, fortíssimo, como só os terremotos do Círculo de Fogo conseguem ser. Levou casas, barcos, inundou o aeroporto de Sendai... Dali a umas horas (dias?), no entanto, começou o vazamento de ondas alfa, beta e gama. Zona de isolamento, alimentos contaminados, água contaminada, fissuras nos reatores – sem mencionar os mortos pelo cataclismo, que passaram dos 13 mil no dia 11 de abril último, e os desaparecidos, que passaram dos 14 mil até a referida data.

O estrago certamente fez lembrar o mundo da grande hecatombe nuclear da história da Terra: Chernobyl. A área de quilômetros em volta da antiga usina ucraniana continua isolada até hoje, pouquíssimas pessoas têm acesso. O Japão, por sua vez, comparou os danos em Fukushima aos de Chernobyl, mas a AIEA alega que se trata de acidentes muito diferentes – os níveis de radiação na usina japonesa representam apenas 10% daqueles da Ucrânia. O governo pretende resolver a bronca até o fim do ano; alguns projetam os gastos com a recuperação em até 300 bilhões de dólares, tornando o desastre o mais caro da história. O governo desmente que o valor seja tão alto (1).

O incidente foi importante pra relembrar a galera dos debates em torno da segurança da energia nuclear. Protestos acontecendo aqui e ali, coisa e tal, tal e coisa... Mas o que me chamou a atenção mesmo foram duas coisas. A primeira foi o acidente radioativo de Goiânia com o césio-137 – o maior do continente americano. De uma só vez, tal lembrança chama a atenção para três fatos: a) a educação brasileira é realmente um fracasso, o que, a meu ver, aumenta a gravidade do acidente de Goiânia em relação aos congêneres – pois a dispersão de energia radioativa foi ainda mais descentralizada e silenciosa; b) em que pesem os perigos do uso da energia nuclear, as usinas não representam, de longe, a única forma de provocar tais tragédias, até porque já houve acidentes grandes envolvendo fontes de energia não-renováveis, como o Exxon Valdez no Golfo Pérsico. A outra coisa a me chamar atenção, por outro lado, foi a quantidade de piadas envolvendo o incidente em Fukushima. Grande parte delas vi no Twitter mesmo, não sou (muito) de vasculhar esses bagulhos na net. Mas o que teve de gente irritada com os gracejos não foi brincadeira, e sobrou até pros Simpsons na Alemanha: o seriado de Matt Groening teve sua exibição proibida no país na melhor censura prévia.

Após umas queimações de neurônio, e associando a tantas outras coisas que não vale a pena elencar aqui (por falta de espaço e pertinência), lembrei mais uma vez da possibilidade de uma jaca despencar em minha cabeça (2). De fato, o césio-137 de Goiânia foi uma jaca no juízo do povo brasileiro; Chernobyl, uma jaqueira lotada de frutos maduros e enormes, e Fukushima deixa cair os seus. Lembrei ainda um aprendizado importante, obtido a partir de minhas desgraças pessoais e leituras de Millôr Fernandes: nem sempre o humor é destinado ao riso, e nem tudo de que se ri é necessariamente engraçado. Obviamente, depois do início dos estragos, precisamos tomar providências pra evitar a piora – mas deveríamos aprender a evitar moralismos venenosos, sob pena de recriminar qualquer piada sobre o evento. Rir não é o melhor remédio, mas às vezes ajuda a lembrar óbvio (3).


(1) Gorbatchov disse que o incidente em Chernobyl não teria maiores conseqüências.

(2) E na sua também, por falar nisso.

(3) A História é uma istória, o homem é o único animal que ri, e rindo ele mostra o animal que é. (Livremente transcrito de A História é uma istória, de Millôr Fernandes)

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Baú de traças