Pra minha surpresa (uso essa palavra por não me lembrar de outra mais apropriada), houve um episódio no Twitter que confirmou algumas intuições que tinha a respeito da postura da emissora. Uma amiga que sigo retuitou algo dum tal “Clube Tô Dentro”, e eu, vendo a imagem do avatar, tratei logo de tirar onda com o repertório musical de uma festa que seria organizada pelo clube (isto é, pela rádio) em João Pessoa. Era uma frase de Nietzsche, que o povo adora citar: “Sem a música, a vida seria um erro”. Retuitei perguntando se isso incluiria Restart, Rihanna, Justin Bieber e similares.
Respirem fundo, crianças. Sintam só o naipe da tréplica deles. Sintam só:
“Toda manifestação musical é válida, desde que promova a paz, a alegria e a harmonia ; )” (sic)
Então é isso. Neguinho tuíta Nietzsche, pagando de intelectual, e depois vem com um papo HIPÓCRITA de paz, alegria e harmonia! Ah, vão tomar no cu com areia e brita!
Palavrões à parte, me lembrei imediatamente do grande tratado do liberalismo político do século XX que é Uma Teoria da Justiça, de John Rawls. Das três palavrinhas metafísicas no tweet, apenas “alegria” não aparece no livro de Rawls – ao menos não com freqüência (não tô com saco de procurar, mesmo porque o pdf do livro que possuo não permite seleção do texto). O slogan da rádio: “a rádio diferente”. Ora, uma das pedras de toque do liberalismo é o (pretenso) respeito às diferenças, que se traduz numa escolha do diferente quando este atende aos propósitos do igual; em linguagem de gente, quando agrada a todo mundo. Agora, imaginem só: se eu já fiquei lendo Rawls com o rabo do olho, que dizer de como ficam meus ouvidos quando a rádio está sintonizada na Mix? De fato, a Rádio Mix atende perfeitamente ao critério liberal: sai divulgando um ideário já ignorado por qualquer ser humano menor de quatorze anos, toca o que as outras rádios não tocam (ou tocam pouco), mas principalmente é diferente por ser a pior. Pior porque bota o mesmo repertório pra milhões de brasileiros (a emissora possui filiais em todas as regiões do País), o dia inteiro, sem parar. É diferente, sim, porque com eles o jabá deve render horrores, pois só pagando uma fortuna pra repetir o mesmo material o tempo inteiro! E não venham com muxoxo, dizendo que os ouvintes é que escolhem o que vão ouvir. Ah, já sei: eles escolhem entre Ne-Yo e a música do elefantinho. Entre uma música de três minutos e meio de duração... e outra música de três minutos e meio de duração. Isso, continuem! Escolham seis e meia-dúzia, contanto que escolham!
Se vocês, crianças, acham que tô sendo ranzinza, é porque não conhecem um sujeito chamado Theodor Adorno (a quem souber inglês, recomendo a entrada na Stanford Encyclopedia of Philosophy). O cara era a própria encarnação da tia chata. Uma de suas principais contribuições ao pensamento foi a criação de um conceito chamado “indústria cultural” – ou seja, a fetichização da mercadoria da cultura. Com seu jeitinho azedo, denunciou em sua época a crescente homogeneização das formas de produção cultural no Ocidente – homogeneização essa que segue a receita liberal (isso já é leitura minha, porque ele não trata diretamente do assunto) de ajustar o diferente ao igual, ao idêntico. Contudo, os produtores da Rádio Mix estão de parabéns: com sua estratégia açucarada, conseguem vender seu produto de um modo que provavelmente Adorno já imaginara, mas que só ficou vivo pra ver por pouco tempo.
Tá na cara que a Rádio Mix está para além da indústria cultural. E é deprimente porque, a despeito de minha birra, ainda me balanço um pouco nas festas em que o repertório é basicamente composto de música pop (devidamente acompanhado de leite com pêra) – isso, naturalmente, quando estou com uma galera conhecida. Com birra ou não, quero externar aqui meu nojo por essa rádio, não somente pela falta de variedade no repertório musical, mas principalmente pela falta de respeito com meus ouvidos, pois se trata de uma concessão pública de um serviço que apenas em parte atende a interesses públicos. Vou voltar ao 4Shared, ao Rapidshare e ao Filestube e procurar as esquisitices de meu agrado pra ouvir. Até mais, crianças!
2 comentários:
Oi, Lázaro!
Seu texto, além de apresentar fluência tantos nos argumentos como nos palavrões( que é para poucos hahahaha), trouxe-me esclarecimentos acerca da indústria cultural e suas implicações no atual contexto( a existência de uma pluralidade sem plural), além de me possibilitar ter um olhar mais simpático para Adorno.
Abraço,
Karla
Você sabe qual é a melhor emissora de rádio? Seu hd.
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